13 de outubro de 2011

O Paradoxo da Idade

Ilustração: Edilma
 E o tempo havia corroído as risadas e a calçada da sua mocidade; a mão e o ferrolho do portãozinho velho da casa em que ele morara.

 Quando decidiu abrir o portão, a rua já estava escura, não havia nenhum barulho ao redor. Inclinou-se, abriu o ferrolho e o ruído do ferro ressoou por entre a escuridão e foi nesse ínterim que ele viu a si mesmo, como numa lembrança perturbadora de uma fotografia antiga e pensou que o tempo havia sido covarde em seus atos. Caminhou até a entrada da casa; quando deu por si, havia entrado na sala onde ele estava sentado em sua cadeira de vime, o rosto envelhecido, o olhar amável e a boca ensaiando um meio sorriso que logo foi desfeito ao ver-se a si mesmo e perceber o quanto as coisas haviam mudado entre um espaço e outro da vida. 


 Encarou-se, como se não houvesse mais razão para ter esperanças, e viu o desespero em seu rosto tornar-se ameaçador e disse que todas aquelas coisas da sua casa como os porta-retratos enfileirados em cima da estante, a máquina de escrever em cima da mesa e a câmera analógica por sobre os livros num canto ao lado da mesa já haviam ficado para trás; assim como as duas grandes guerras do século passado, assim como ele. Afora essas indicações, as outras guerras ameaçavam os dias, mas todas as outras coisas adquiriram o status de revolução como convencionou chamar a tecnologia. 

 Ficou visivelmente perturbado e pensou em voz alta: "às vezes nos agarramos a resquícios de memórias que não servem para nada". Calou-se, sua respiração estava ofegante, era hora de voltar à realidade. Lamentou ainda estar preso ao tempo passado e não ter condições reais de acompanhar o presente, pois o grande paradoxo era ter liberdade para se expressar e vagar por onde quisesse e, ao mesmo tempo, estar preso a um tempo que limitava seus passos.Queria que tudo não passasse de uma simples fuga; uma fuga da realidade, apenas.

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