16 de janeiro de 2012

Que Ela Fale...

Sugou-me a página em branco e causou um grande alvoroço dentro de mim: uma inquietação daquelas que provoca cócegas na barriga, náuseas e faz as pálpebras tremerem como numa grande crise nervosa que incomoda, demora a acalmar o olhar. Foi a página em branco que me consumiu; sim, consumiu-me como se fosse um extrator e me corroeu por dentro e me absorveu com uma sede imensa por uma bebida forte e pura, sem tira-gosto para amenizar o sabor. Consumiu-me a página como quem sente uma necessidade de ouvir música alta e soltar palavras incessantemente. Sim, palavras legíveis e claras. Claras como o som que sai agora dos meus lábios. “Eu que- ro des-bra-var a insaciável pá-gina em bran-co e quero soltar pala-vras!”. Palavras ditas por meus lábios carnudos e trêmulos.


E eu me atrevi a desbravar a página, peguei a caneta, a caneta é um atrativo em minhas mãos, e me apressei a dizer fatos corriqueiros da minha vida a ela. Não quis, disse que precisava do subjetivo. Algo que eu nem sabia o que queria dizer: SUB – JE – TI – VO; procurei descobrir só para dizer para ela. E eu comecei com algo como açúcar que misturada ao café amargo e diluída em água incolor, insípida e inodora, quando absorvido com satisfação transforma o paladar de uma vertente a outra, assim como dois pólos opostos, mas que se atraem. Eu comecei, e ela me pediu para parar porque isso era coisa muito forte, causava dor e  a fazia estremecer.

E eu disse à página que agora não. Eu não poderia parar porque eu queria dizer algo. Algo como nuvem que ora é dual: azul e branco e ora é apenas cinza. Cinza como o tempo agora dentro de mim. Eu precisava continuar, eu queria falar de saudade. E não era qualquer saudade, tinha que ser uma saudade que fosse dita com lábios úmidos, sinceros e expressivos e significasse dor. Na dor eu saberia a real proporção dos meus sentimentos. Neste instante, minhas mãos começaram a tremer e a caneta a me fugir e a página a rasgar; os meus sentimentos entraram em instabilidade, tamanha desordem em minha alma. Eu parei por um instante, mas avisei que continuaria.

Eu parei e disse à página que eu tinha a bebida forte, a palavra e o subjetivo; ela o poder de me corroer. E ela disse que eu não precisava levar a idéia de desbravá-la tão a sério a ponto de me entregar à tortura; não precisava fazer jogo de cena. Eu a olhei e respondi que o jogo de cena era a razão de tudo, não podia me desfazer desse dispositivo. E ela me apertou forte e voltou a me corroer por dentro e disse que eu só precisava de algo sólido, mas que também fosse líquido e dentro de tudo isso tivesse um molde para que as coisas saíssem dentro dos conformes: bem estruturada e delineada. Eu me entreguei. Dei vazão à cólera porque o que eu menos queria era a estrutura e a forma. Foi então que a página ganhou forma e a caneta fincou-se à ela e minhas mãos ganharam estabilidade: eu era a razão de tudo, minhas escolhas determinavam o caminho e as minhas palavras, o segmento.

2 comentários:

  1. Lembrei de Florbela ao se referir a página em branco como um mudo convite. As palavras se juntam para formar uma expressão; o alinhar que exorciza os pensamentos. Beijus,

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