15 de abril de 2012

Sonho de Dois por Um

A mulher de quem vou falar era vaidosa, gostava de fumar em piteiras leves e perfumadas; deixava as unhas impecáveis porque achava que era o seu ponto forte e era para onde todos olhavam na primeira conversa. A mulher de quem vou falar era de meias palavras, mas animada; tinha cílios longos, mas retraídos; a mulher de quem vou falar era sempre terna e amava seu marido, ao menos ela achava isso. E ela desenvolveu seus sonhos pensando que o mundo dele completaria o seu ou, ao menos, devia pensar que não havia fronteiras entre ela e ele; ela compôs frases de efeito e postou em cada momento fotografado por alguém de mãos ágeis que sempre passava por eles num desses dias de pura histeria. Ela guardou as câmeras só para lembrar de todos os momentos bons que passaram juntos e também para contar o tempo: cada pedacinho de tempo passado. Ela pensou muito nos dois.


Pensou. E agora eu conto, eu já estou falando dessa mulher linda e leve, de cabelos compridos e ondulados. Ela pensou que o fato de dormir ao lado daquele homem era. Eu não falei dele, mas talvez não precise muito. Ele era do tipo fortão, cabeludo, sorriso contido, olhar atento e era marido da mulher de quem eu estou falando agora. E ela pensou que só o fato de dormir ao lado desse homem tornava tudo estável; quer dizer, o relacionamento, as escovas de dentes, os pratos sujos na pia, o café da manhã, os lençóis amassados de todos os dias... enfim. Ou deveria dizer, quase nada. Pensou. Pensou e acordou sorridente, relaxada; havia feito as unhas no dia anterior e também mudado a cor dos cabelos. Ah, ela também havia comprado panos de pratos novos, mudado a posição do fogão e da mesa. Tudo estava perfeito, segundo ela. Perfeito, não? Não fosse o sonho de dois sonhado por um. Um que ainda dormia lá em cima, lençol de brim salmão, almofada confeccionada em especial para aqueles que apreciam uma boa noite de sono. Ah, mas ele dormiu mal. Tenso, não sabia o que dizer. "Deixa pra depois", ele disse mentalmente. Oh, Deus, o que dizer. O que dizer àquela mulher.

O que dizer à mulher de cabelos ondulados que o esperava lá embaixo com o café da manhã na mesa. O que dizer àquela mulher que fez dele seu estilo de vida. O que dizer àquela mulher com quem trocava confidências todo dia: na alegria e na tristeza. Ah, ele tinha que descer e encará-la novamente e dizer tudo de uma só vez como se o engasgo tivesse passado naquele instante. Ele tinha. Ele saiu do quarto e foi descendo as escadas devagar, ela já o esperava ao pé da escada com um sorriso enorme de bom dia. Ele, acanhado, meio sem graça, disse: hoje é dia de. Um dia de desencanto. Ela, sem entender, disse que o encanto não acaba, não num dia como aquele. Ele, nervoso, disse que estava falando deles. DESENCANTOU. Acabou. E eu não sei se vai ficar alguma coisa de nós dois. Ela parou, olhou para o teto, abriu a boca e ficou saber o que dizer de.


Escrito especialmente para a Blogagem  Coletiva com Rute, Luma, Rosélia !

18 comentários:

  1. Olá, querida Edilma

    "Tu és o orvalho que me beija"...
    (Meliss)

    Em pleno período pascal nos reencontramos para tecer o nosso Desencanto... entrelaçar partilhas de coração a coração...

    E o Desencanto é assim mesmo: nos deixa boquiabertos... sem mais nem menos... como um fogo devorador... de uma maneira grotesca e inexplicável...
    Seu post deixa passar como o Desencanto age no coração do outro... cheio de sinestesia... muito bom!!! Nos deixa "engasgados" com os protagonistas...

    Obrigada por sua participação e nos vemos no próximo mês se Deus quiser!!!
    Bjs de Paz e Esperança junto com o meu carinho fraterno

    "Meu coração orvalhado
    pleno de gratidão,
    agradece a Deus"...
    (Élys)

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    1. Rosélia, que continuemos a tecer nosso elo. Até breve! beijos ;)

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  2. Fica um vazio, um hiato que não deixa nada sair em forma de som...

    Minha contribuição: http://migre.me/8GBkK

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    1. Emanuel, obrigada por ter visitado meu espaço.;)Volte sempre.

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  3. Desencanto total! DEsilusão, sonhos sonhados apenas por um, perfeito.
    bjs Sandra
    http://projetandopessoas.blogspot.com//

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    1. Oi Sandra, que ótima a sua visita. Volte sempre. ;)

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  4. É amiga, quando a mulher se esquece de si e põe todos os seus sonhos, e esperanças de felicidade no companheiro, frequentemente acontece isso. Ele se vai e ela fica sem chão.
    Um abraço e uma boa semana

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    1. É verdade Elvira, todos temos que repensar nossas atitudes. Precisamos de mais confiança! beijos ;)

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  5. Oi, Edilma!

    Fiquei a imaginar aquela mulher... Boquiaberta... Sem palavras... Olhos tristes... arregalados... Face transfigurada pela dor do desencanto... É a vida. Todos passamos por momentos assim. Uns encaram com mais otimismo, e logo encontram outros horizontes, outros, se perdem, e sofrem tanto, até darem novos rumos a suas vidas...
    Desencanto...
    Adorei o texto.

    Grande abraço
    Socorro Melo

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  6. Oi Edilma,
    você escreve num ritmo muito bom, com suspense no meio de tanto detalhe saboroso. A gente consegue visualizar a cena na perfeição, mas a parte gostosa é que os detalhes incluidos, não cansam, porque a curiosidade nos leva soltos, galgando texto para matar a curiosidade.
    Excelente! Espetacular! Adorei!
    Sem dúvida que não tem dia, nem hora certa, para desencantar.
    Mas será esse o verdadeiro amor?
    Na minha inocência, ainda acredito que o verdadeiro amor não desencanta, porque o verdadeiro amor é admiração pelo outro. Admiração pelas qualidades engradecedoras da alma.
    Bom, confesso que ainda não encontrei o tal Amor com A maiúsculo.
    Beijinhos além-mar.
    Continuemos juntas nossa caminha à descoberta das fases amorosas.
    Rute

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  7. Oi, Edilma!O seu texto me fez lembrar um guião de um filme. A cena de uma vida vista de fora, um desencanto com encontro marcado, seria por um amor não alimentado?Será que o desencanto já havia se instalado e ela não havia notado?Quantas perguntas, muitas respostas, só uma conclusão: o desencanto deixa um vazio, um hiato...
    Bela participação!
    Beijinhos

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    1. Oi Lina, sou totalmente cinematográfica! O cinema corre em minhas veias! rs... Obrigada por ter passado por aqui. ;) Beijos!

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  8. Oi Edilma passando para ler as postagens da coletiva.A minha está aqui:zildasantiago.blogspot.com
    Bjsss

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    1. Obrigada, você me deu a oportunidade de ler Rubem Alves em seu blog.

      beijos!

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  9. Ah, o teto caiu!! Caiu a superfície! Dias e dias de aparente felicidade, mas nada que escrevesse na alma daquele homeme. Será que ela nesse dia pintou a unha? Beijus,

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