3 de fevereiro de 2013

Inquietação

“Mas quem tem coragem de ouvir,
Amanheceu o pensamento que
Vai mudar o mundo com seus
Moinhos de vento”.
(Frejat e Dulce Quental)


Só pra quem tem coragem, ele disse esfregando bem forte as mãos e piscando os olhos denotando uma inquietação nunca antes vista em seu semblante. Sempre calmo, rosto sereno e tranquilo, ninguém jamais duvidou da sua coragem, porém questionavam sua agilidade e insistiam que ele não iria muito longe porque pouco expressava sua opinião quando solicitado. Pouco se doava nos relacionamentos, não por medo. Ele tinha uma espécie de código de conduta: não requerer satisfação quando não parecesse necessário; não fingir amor quando não sentia; não cobiçar quando não lhe apetecia. Não fazia nada por fazer, era o seu lema, preferia deixar seguir. Era sereno.


Por que então um homem calmo e sereno acordou de um sonho intranquilo como se o mundo tivesse passado por longos anos de inverno? Talvez este homem tenha visualizado as incongruências da humanidade; talvez este homem tenha acordado para a vida e tenha percebido que a serenidade só tem validade quando acompanhada de atitude; talvez isso, talvez aquilo. Foram muitas suposições a respeito dele e ninguém chegou a uma conclusão plausível. A verdade é que ele surpreendeu a todos quando apareceu na TV pela primeira vez. Disse ao repórter que era o líder dos revolucionários e que eles só estavam reivindicando o que era deles por direito, o que era do povo: a verdade, a ética, a dignidade, a prestação de contas, o vir e o devir a ser do cidadão.

Chegou um momento que ele parou frente à câmera ligeiramente emocionado e disse: Sabe, penso que a culpa de toda essa barbárie pública é minha. Todas as palavras que eu guardei durante esse tempo; Todo   ato que contive só porque aparentemente não me sentia incomodado; Todo o silêncio que guardei foi castigado: me fiz tolo e dei pouca atenção àquilo que acontecia ao meu redor. Me fiz idiota: o som que vinha dos outros pouco me interessava. Deixei passar. Deixei tudo passar, até hoje. Hoje eu decidi falar e reivindicar. Fora isso, infelizmente, eu não tenho nada a dizer aos outros; para estar aqui é preciso ter coragem. Ele disse a última frase esfregando bem forte as mãos e piscando os olhos denotando uma inquietação nunca antes vista em seu semblante.

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