27 de fevereiro de 2012

De Gelo

Dê-me as mãos, as minhas estão tão frias, já não sinto os meus dedos, há gelo em todos os lugares desta casa; o canto, o nosso preferido, já não é mais o mesmo desde a sua partida. Lembra quando a gente compartilhava segredos nas noites quentes de verão e trocávamos olhares de cumplicidade e paixão e, às vezes, meus pés roçavam nos seus e eu sentia a sua quentura em minha pele enervada. Sim, eu lembro. Guardo tudo em minha memória, como agora. Como se eu estivesse segurando suas mãos.

15 de fevereiro de 2012

Carnaval Tem Sempre

                 "A La Ursa quer  dinheiro, quem não dá é pirangueiro!"



Ouvi o barulho e, por um instante, fiquei imóvel. Era inevitável, o carnaval havia chegado e eu precisava agir. Fechei o livro e guardei-o na estante, fui até a janela e. E Quando abri um dos lados, me surpreendi: tamanha magia. Como num sonho, me deparei com uma grande multidão que cantava em uníssono: “E, Recife, adormecida, ficava a sonhar ao som da triste melodia”. Longe da tristeza, mãos nas alturas, roupas coloridas, embalo musical: a multidão estava eufórica. Não, não era sonho. Era uma grande elevação; ou melhor, um domínio. Um domínio do corpo e da alma porque o meu eu era força; o meu sangue fervia, meus pés ardiam. E, naquele momento, eu era o frevo; eu tinha o frevo nos pés, o batuque dos tambores nos ombros e nas mãos. Eu era toda Nordeste. Nordeste em cores e, pra onde eu me virava, carregava no peito a alegria de morar numa cidade linda chamada Recife. Recife pintada em sonhos, em histórias: recife português e holandês. De todos os dias, de todos os ritmos e de fantasias: era carnaval. “É pirangueiro! É pirangueiro!”, gritavam as crianças quando um bom vizinho não dava dinheiro. Era o som do carnaval de rua, o melhor de todos. E cada canto tinha sua peculiaridade e tudo se misturava numa grande festa. A festa de rua.

2 de fevereiro de 2012

A Vida Secreta

Não mais, mas isso quer dizer muita coisa. Até o porquê de pronunciá-lo: “Não mais”. Não mais é o tempo que ele passa a escrever enquanto a chuva cai lá fora e um e outro correm para fugir dos pingos; e ele, da sua janela, observa desde o início da formação da nuvem pesada até o instante em que os pingos começam a cair. Não mais; e ele vê, com olhar atento, pessoas se esbarrando e cobrindo a cabeça com um objeto qualquer que está à mão no momento em que a enxurrada de água cai do céu. Outros que abandonam o cigarro quase à metade na poça d'água para não ter um pé de receber respingo no rosto. “Não adianta”, ele pensa. “Vai se molhar de qualquer jeito”, vocifera da sua janela.