
Não mais, ninguém o está ouvindo. Estão todos absortos e presos à nuvem de chuva; só ele, solitário, observa da janela, olhar atento, barba por fazer, cabelos compridos, sem camisa; só ele observa para ter o quê de recriar imagens mais tarde junto à sua escrivaninha ao lado da cama. Não mais, pode ser sintoma de cansaço. Buzinas que tocam, carros que passam, pés que correm. Água e urbanização. Urbanização e água: uma combinação indicada por seu mindinho detalhista e desejoso por criticar qualquer coisa. Tudo enquadrado; “daria até para fazer um filme”, ele imagina todas as cenas e os tipos de planos que deveria utilizar. Não mais é a atenção aos fatos e a recriação deles porque, dependendo de como se faça, ninguém vai absorver a proposta depois da projeção. Não mais é o tempo que ele passa a imaginar coisas para transformar em fatos concretos e precisos: algo realmente aproveitável por outrem.
Não mais é ele; é a janela de sua casa que sucumbe a todos os transeuntes lá embaixo: aos cigarros, às poças d'água. Ao tempo. Não mais é o tempo de tédio e tolice que ele insiste em conservar para viver a vida dos outros que, segundo consta nas prateleiras de sua casa, nem mesmo um "oi" lhe pronunciou. E todos os pratos e talheres estão de prova no caso, nenhum sequer foi mexido ou remexido. E a vitrola que agora toca uma música fúnebre: "É diferente", ele diz que gosta. Nenhum daqueles transeuntes lá embaixo sequer o visitaram. Ninguém para ouvir suas histórias. Histórias que secumbem ao tempo... Tempo que corrói as roupas e a sua câmera de registro diário. "Não mais", ele pensa e resolve sair da janela; da casa; das mobílias; da chuva; do cigarro; da música fúnebre; da sua vida. Não mais, porque ele se foi. Um, dois, três. Shhh. Silêncio. E o tempo dará conta de tudo, aos poucos. Não mais à vida secreta.
tem época q é muito bom dizer, não mais. beijos, pedrita
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